Sobre Auschwitz — 08/08/2025
Desta vez trago um tema sobre o qual ainda não me tinha pronunciado, mas que é muito importante para mim: viagens.
Viajar sempre foi fundamental na minha vida. Quando era mais nova, dizia que queria percorrer o mundo todo, trabalhar um ano em cada capital. Como se fosse possível… isso daria 195 anos de trabalho. Seja como for, sonhar nunca teve limites e era mesmo assim que eu sonhava. Longe de se tornar realidade, pois acabei por nunca viver fora de Portugal, nem sequer estar mais de um mês seguido fora do meu país. Na verdade, não por escolha consciente, mas porque a vida e a minha capacidade de lidar com ela me foram levando por caminhos muito diferentes daqueles com que sonhei.
Ainda assim, penso que este sonho de criança demonstra bem o tipo de pessoa que sou e o quanto é importante para mim conhecer sítios novos e diferentes.
Tendo em conta o tamanho do meu sonho, a verdade é que a minha lista de países visitados está longe do que gostaria. Viajei ainda pouco, tendo passado por Espanha, França, Holanda, Alemanha, Irlanda, Inglaterra, Escócia, Luxemburgo, Suíça, Marrocos, Madeira, Açores, Dinamarca, Hungria e Polónia. E é precisamente sobre a viagem à Polónia que quero escrever — mais especificamente sobre a minha visita a Auschwitz, onde fiz questão de ir.
Auschwitz era aquele sítio que estava algures no meu cérebro, com uma nota vermelha a dizer: “ir antes de morrer”.
Não sei se vocês são como eu, mas existe uma lista que não preciso de escrever — ela está cá dentro, desde sempre (ou pelo menos assim me parece). É a lista das coisas a fazer antes de morrer: saltar de paraquedas (feito), escrever um livro (não está feito), ir a Auschwitz (feito). A lista continua, claro.
Ir à Polónia foi um acaso muito agradável e surpreendente. Um país bonito, arrumado, seguro, com pessoas simpáticas. Bem diferente da imagem que eu tinha, marcada pelo peso da sua história — uma história que esteve presente no meu crescimento, até porque o primeiro livro que me lembro de ter lido, algures aos 10 anos, foi o Diário de Anne Frank.
A minha experiência em Auschwitz
Comprei o bilhete no site deles duas ou três semanas antes. Tive sorte — nem sempre é fácil arranjar, e disseram-me que há filas de espera gigantes. A minha intenção inicial era comprar três bilhetes, mas o sistema só me permitia comprar um. Decidi avançar com esse, com visita guiada em inglês, às 15h30 do dia 08/08/2025.
Na verdade, era eu quem fazia mesmo questão de ir. E ainda por cima li que não recomendavam a visita a menores de 14 anos. A minha filha tinha 8 nesta altura. Fiquei intrigada e fui ler relatos de outros pais que levaram filhos da mesma idade, mas que os prepararam muito bem antes. Ainda assim, senti-me insegura em levá-la. Recordei-me de uma visita que fiz anos antes, talvez em 2008 ou 2009, à Casa do Terror em Budapeste — e do impacto que teve em mim. Fiquei dias abalada, a processar aquela energia densa, tensa, chocante, dolorosa.
Como gosto muito de acreditar que o universo me dá sinais, quis ver o facto de só conseguir comprar um bilhete como uma mensagem clara: eu devia mesmo ir sozinha.
E assim foi.
Cheguei atrasada, já passava das 15h30. Perguntei se poderia ainda entrar e deixaram-me juntar ao grupo das 16h15. Deram-me um autocolante com a hora da visita, sentei-me a aguardar. Quando chegou a guia — uma polaca, que falava em polaco — percebi apenas algumas palavras. “Crematório”, por exemplo, que se pronuncia quase da mesma maneira que em português.
A visita foi bem diferente do que eu imaginava. Longe da densidade que me recordava da Casa do Terror. Acredito que o tempo tenha feito diferença em vários sentidos. O tempo atmosférico, para começar: em Budapeste era inverno, neve, temperaturas negativas, noite cerrada a partir das três da tarde. Em Auschwitz, era verão, sol aberto, relva verde, muito espaço ao ar livre. Mas também o tempo histórico: quando fui à Hungria, ainda tinham passado menos anos desde as atrocidades. Agora já vão mais uns quinze. E a verdade é que o tempo limpa, cura, dissipa.
Claro que chorei em vários momentos. Havia espaços impossíveis de atravessar sem os olhos se encherem de lágrimas.
Mas dei por mim a pensar, repetidas vezes: qual a razão desta minha necessidade de ir a lugares destes? Que interesse existe em transformar genocídio em turismo?
Principalmente quando, neste exato momento, se passam coisas semelhantes no mundo e nós seguimos na nossa insignificância, incapazes de agir, de mudar, de compreender. Pelo menos eu sinto essa revolta: não sei como sair deste lugar tão pequenino em que me encontro.
Sempre pensei que esta necessidade de visitar sítios de dor estivesse ligada a uma vontade de me tornar mais humana a cada dia, com maior consciência do mundo, da dor, da maldade e da compaixão. Mas desta vez foi diferente. O facto de lá ter ido numa altura em que temos maior perceção do que acontece no presente deixou-me confusa.
E pensei: será que daqui a alguns anos também existirá em Gaza um memorial turístico, onde se tente sentir, por instantes, a energia de dor de todos os que estão a morrer hoje?
“O silêncio do mundo levou a Auschwitz.
A indiferença do mundo levou a Auschwitz.
O antissemitismo do mundo levou a Auschwitz.
Não deixem que isto aconteça novamente.”
— Ronald S. Lauder
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